Colecionando Estrelas
Por Laura Assis
Sentada na areia com as pernas esticadas, apoiada nos cotovelos, sentia o sol queimando a pele. Uma brisa morna soprava do mar e balançava seus cabelos presos num rabo de cavalo no topo da cabeça. Havia um silêncio interrompido apenas pelo quebrar das ondas dali a alguns metros.
Mas como nada dura para sempre, ela acordou. Sempre tinha esses sonhos em que ela encontrava o sol e se deleitava, aproveitando cada raio, sentindo o prazer incomensurável de ser tocada por ele. A última vez que havia visto o sol tinha apenas quatro anos, mas lembrava-se do calor dele sob a pele, lembrava-se da luz que emanava daquele astro tão distante, intocável, inatingível.
Por anos perseguiu a ideia de que deveria sair em busca dele, já que ouvia tantos relatos de pessoas que haviam saído para encontrá-lo e, com êxito, viveram felizes e aquecidas por vários anos. Para ela, acreditava, não haveria sol. Não haveria luz. Menos ainda aquele calor delicioso que tocava sua pele e a deixava sutilmente bronzeada. Embora fosse resignada, tinha seus momentos de desespero por viver naquela escuridão que a engolia noite após noite. Não havia dias. Não havia luz. Não havia calor.
Completou 35 anos e decidiu acender uma fogueira em sua própria homenagem. Haveria luz e calor naquele dia, mesmo sem o sol. Assim o fez. Dançou em volta da fogueira, com sua taça na mão direita e as saias balançando de um lado para outro. Sobretudo, era grata à vida. Não podia dizer-se infeliz. Era feliz, reconhecia a dádiva de acordar, mesmo em um lugar onde não havia manhãs de sol. Quando a fogueira se apagou, vestiu-se com o mais quente dos casacos e enfrentou a nevasca que descia aos poucos da montanha. Dentro de si ainda havia luz e, embora o calor estivesse prestes a deixar sua pele, ainda existia em seu coração uma pequena chama que a mantinha viva, que não lhe permitia desistir.
Ouviu, então, um relato curioso a respeito de um homem que saíra em busca do sol há alguns anos e agora enviava notícias de um lugar distante, informando que após noites e mais noites enfrentando a escuridão, ele enfim viu o amanhecer do dia. Ele havia encontrado o sol!
Buscou por detalhes daquele relato, ansiava por aventura. Com o que a escuridão lhe oferecia, fazia o que lhe era possível. Era feliz mesmo sem ver a luz de um novo dia, era como se em seu coração existisse a certeza de que se ela não fosse até o sol, o astro rei iria até ela. Ela esperava há trinta e um anos, talvez agora fosse o momento de sair em busca dele. Correu para casa, abasteceu-se do que achava necessário. Carregou o que era possível em sua motocicleta, sem deixar para trás seu pequeno filhote de cão, que lhe haviam trazido do Tibet. Água, alimento, coberta e outro casaco. Sua adaga presa à cintura, todo o dinheiro que tinha. Fechou a casa e despediu-se dela, na esperança de não voltar sem ter visto a luz do dia.
Atravessaria países em busca daquele lugar onde diziam estar o sol, escondido. A travessia não seria simples, ela sabia. Nada era fácil para ela há muitos anos, justamente por isto transformara-se naquela mulher resistente e esperançosa.
Pelo caminho encontrou muitas estrelas que brilhavam distante prometendo luz e calor, mas ao se aproximar, percebia, não eram mais do que pequenas ilusões que a mantinham desperta, pronta para o momento exato em que seus olhos se fechassem por não suportar a luz dourada. Algumas estrelas lhe prometiam o calor do sol e até tinham uma certa luminosidade, mas não cumpriam a promessa e ela se via pronta a pegar a estrada mais uma vez. Nessas noites dormia chorando, abraçada ao cão, esperando que o corpo se sentisse novamente pronto para subir em sua moto e pilotar.
A cada país por onde passava, fazia novos amigos. Sentia-se acolhida e até mesmo um pouco admirada pela travessia que ousara iniciar. Guardava os pequenos momentos daquela jornada junto dos mais importantes de sua vida. Sabia que mesmo que jamais encontrasse o sol, algumas estrelas lhe serviram de combustível para seguir adiante. De algumas delas até sentiria saudades, principalmente daquelas que não lhe prometeram ser sol, mas iluminaram com a sua melhor luz, lhe oferecendo todo o seu brilho, sendo honestas ao dizer “sou apenas estrela”. Desejava de todo coração encontrar o sol, mas já era feliz sem ele e, ao perceber isto, sua viagem se tornou ainda mais intensa e significativa.
Seria do sol. Seria iluminada e aquecida por ele. Mas enquanto não se encontravam, colhia os pequenos frutos daquela travessia e os guardava em lugar muito parecido com uma caixinha de memórias, um cofre onde se guardam relíquias impagáveis…