• A visão do oráculo

    Por Laura Assis

    Algumas pessoas vão destruir seus sonhos, se você deixar. Elas vão destruir você também, se você permitir. Eu tive um sonho. Eu costumava guardá-lo em uma caixinha dourada que eu teci com meus pequenos desejos e devaneios, desde que o mundo se tornou mundo para mim. Mas ele se perdeu por alguém que não soube respeitar o que eu tinha de mais bonito em minha essência.

    Eu nasci em mil novecentos e oitenta e quatro. E durante trinta e três anos eu tive um sonho lindo que guardava nesta caixinha. Era um desses sonhos que não se pode mesmo realizar sozinha, porque ele é justamente sobre encontrar uma pessoa que te ajude a construir um castelo e esteja nele com você todos os dias da sua vida, para o bem e para o mal.

    Mas aos trinta e três eu encontrei uma pessoa que me roubou isto. Que me mostrou que aquilo que eu sonhava era ridículo para alguém como eu… Que eu era pouco demais para sonhar “daquele tamanho”, que eu jamais conseguiria, que não receberia aquilo que sempre sonhei… porque não era como um projeto para o qual você estuda, analisa, se prepara e “bum” realiza! Era uma fantasia para a qual eu precisava, dependia totalmente de outra pessoa. Era como dizia Raul “sonho que se sonha só, é só um sonho…”

    Obviamente eu tinha planos B, C e D, porque eu sei que talvez precisasse de alguns ajustes quando, enfim, encontrasse aquele que sonharia comigo, que realizaria tudo aquilo ao meu lado. Na verdade, eu já tinha me lançado nessa busca uma vez e o tombo foi quase fatal. Fui ferida na carne, na alma… demorou muitos anos para cicatrizar. Mas eu voltei a desejar que aquilo se tornasse real e, embora já tivesse vivido um começo, eu não tinha conseguido ir até o fim. Então, aquela tentativa não podia ser considerada…

    Foram tantos dias e noites tentando provar que aquele ideal, que aquele projeto não era ridículo… que eu era sim, boa o suficiente para conseguir alcançá-lo, que eu me perdi. Eu me perdi e comecei a perceber que talvez eu realmente fosse pequena demais para um projeto tão grande. Que eu era pouco demais para o muito que eu queria! Que eu podia passar a vida toda me preparando para o grande dia, mas não era digna dele, porque coisas assim não acontecem na vida real. Menos ainda com pessoas que, em pouquíssimo tempo seriam colocadas na “casa dos quarenta”.

    Depois de algum tempo eu abri a tampa da lixeira e joguei lá aquela caixinha. Eu aceitei que não era, nunca seria a personagem principal de uma história como aquela que eu guardava com tanto apreço. Eu aceitei que viveria até o fim dos dias com pequenos goles, pequenas amostras daquela quimera. Cheguei a sentir repulsa de mim mesma por ter me atrevido a pensar que eu alcançaria um sonho tão, tão distante de mim.

    Decidi que eu estava no corpo errado, no lugar errado e no tempo errado. Tudo o que eu tinha para oferecer, não era mais aceito. Tudo o que eu queria receber, não era mais doado. Coisas de outras eras! E pensei que, talvez, eu tenha vindo desta vez apenas para apreender, para assimilar a profundidade do meu desejo e abrir mão dele. Talvez eu tivesse nascido para ser forte, abrindo assim mão da mais pura e deliciosa felicidade; talvez eu tivesse nascido para as lutas e não para as folhas de louro. Talvez eu fosse Romeu no deserto, em luto pelo que não morreu. Talvez eu fosse Julieta com a alma despedaçada ao ver Romeu já sem vida sobre si mesma. Talvez eu não passasse de uma novela shakesperiana, escrita com o intuito de distrair quem estivesse sentado. Eram muitas indecisões para uma pessoa tão pequena…

    Certa de que receberia algumas gotas esporádicas de felicidade, esperei na calçada até que o caminhão levasse a lixeira embora. Resignada, não mais contrariada, aceitei que talvez eu apenas estivesse fazendo a colheita do que semeei em outras vidas. Talvez a minha história não passasse de uma lenda grega, onde o oráculo tivesse me avisado sobre o meu fim e eu, em vão, tivesse ousado sonhar diferente…

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