UFSJ terá cotas para o ingresso de pessoas trans nos cursos de graduação
A ação reserva vagas para pessoas travestis, transexuais, transgêneras, transmasculinas, transfemininas e/ou trans não binárias a partir de 2025
Foi aprovada na última semana, por unanimidade, pelo Conselho Universitário (CONSU), a resolução que visa a implementação de uma Política Institucional de Ação Afirmativa, que prevê a reserva de vagas para pessoas travestis, transexuais, transgêneras, transmasculinas, transfemininas e/ou trans não binárias no ingresso aos cursos de graduação da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ), com implementação prevista para o Sisu 2025.
A decisão se deu diante do entendimento dos membros do conselho, no qual os três segmentos da Comunidade Acadêmica estão representados, da necessidade de incorporar à sociedade valores desses grupos, que de outro modo dificilmente seriam reconhecidos, dadas as suas condições de marginalidade e preconceito. As políticas afirmativas pretendem estimular o ingresso de trans no ensino superior ajudando a quebrar ciclos de violência e marginalização.
A pró-reitora, professora Rejane Correa da Rocha e o pró-reitor adjunto da Pró-Reitoria de Ensino de Graduação (PROEN), professor José Luiz de Oliveira, relatam que o primeiro marco dessa trajetória se deu entre abril de 2023 e março de 2024, quando a minuta de Ações Afirmativas para reserva de vagas para pessoas trans foi instituída a partir do trabalho da comissão instituída pela PROEN, denominada “Comissão Duda Salabert”. O foco desse período foi a criação de política institucional voltada à promoção da equidade e igualdade de gênero e o combate às violências contra as mulheres e as pessoas LGBTQIA+. O segundo marco se deu no primeiro semestre de 2024, durante a greve estudantil na UFSJ, quando surgiram discussões significativas sobre a inclusão e a representatividade da comunidade trans na instituição, juntamente com o movimento estudantil com o apoio da Reitoria e da PROEN.
Rejane conclui que “a partir da base legal existente e das demandas levantadas pela comunidade universitária, somadas às discussões realizadas após o fim da greve, em julho de 2024, entre o DCE-UFSJ, PROAE e PROEN, e ainda inspirada nas experiências de outras universidades que já implementaram políticas de ação afirmativa, foi proposta ao CONSU uma minuta de resolução. Cabe destacar a importante discussão ocorrida na última reunião do CONSU, quando a proposta foi aprovada por unanimidade, o que evidencia o compromisso da comunidade universitária com as demandas sociais e a busca por uma universidade mais inclusiva e igualitária.”
Para José Luiz, “essa conquista significa um grande avanço nos direitos humanos, ou seja, a afirmação da necessidade de incluir pessoas que em condições de meritocracia estariam fora do processo de educação superior, mas que em condições de democratização do processo, podem agora entrar na universidade. Há 15 anos eu fui relator no Consu da minuta de resolução que criou a política de cotas para pretos, pardos e indígenas. Hoje me vejo participando de uma gestão totalmente voltada para a inclusão. O impacto prevê 2% de vagas da ampla concorrência para pessoas trans. Hoje a UFSJ possui 53 cursos, que disponibilizarão uma vaga para alunos trans, então, a cada ano teremos a possibilidade de contarmos com 53 novos alunos trans na UFSJ!.
Para concorrer à vaga, o candidato deverá ter cursado o ensino médio em escola pública, se autodeclarar pessoa trans no ato da inscrição e apresentar um memorial descritivo que será avaliado por uma Comissão de Validação composta por cinco membros, sendo:
I – Duas pessoas discentes da comunidade universitária, sendo pelo menos um(a) trans, regularmente matriculadas nos cursos de graduação da UFSJ, indicado(a) preferencialmente pelo DCE ou pela Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis (PROAE);
II – Dois Docentes com pesquisa, ação de extensão e/ou atribuição de cargo que tenha relação direta com as questões que envolvem esse segmento populacional indicado(a) pela Pró-Reitoria de Ensino de Graduação (PROEN);
III – Um TAE que tenha atribuição de cargo que tenha relação direta com as questões que envolvem esse segmento populacional indicado(a) pela Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis (PROAE).
Além disso, a Divisão de Assistência e Ações Afirmativas (DIAAF) se encarregará do processo de Avaliação Socioeconômica, para fazer uma distinção de posição social das pessoas trans ingressantes, avaliando o nível de vulnerabilidade social de cada uma delas, levando em consideração, renda familiar, formação escolar e autodeclaração étnico-racial.
De acordo com o Pró-reitor de Assuntos Estudantis (PROAE), Júlio Henrique Braga, “a aprovação da Cota Trans é fundamental para a inclusão desse grupo na Educação Superior Pública a UFSJ, e é a segunda universidade de Minas Gerais (além da Universidade Federal de Lavras) a aprovar a cota para trans.” Pelos dados mais recentes, no Brasil, são apenas 9 instituições que possuem essa política. A primeira instituição a adotar cotas para pessoas trans foi a Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB), em 2017. Também fazem parte da lista a Universidade da Integração da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab) e as federais de Santa Catarina (UFSC), de Santa Maria (UFSM), do ABC (UFABC), da Bahia (UFBA) do Rio Grande (Furg), de Rondônia (Unir) e de Goiás (UFG). Completam o quadro as estaduais do Amapá (Ueap), da Bahia (Uneb), de Feira de Santana (Uefs), e de Campinas (Unicamp).
Os alunos representantes do DCE, Lucas Ferreira e Felipe Nunes e Silva, que participaram ativamente de todas as partes dessa conquista, exaltam que o Brasil é o país que mais mata travestis e transsexuais no mundo. “A violência sofrida pelas pessoas trans no Brasil é a face mais cruel das relações de gênero que são estruturais no capitalismo e submetem o conjunto da classe trabalhadora. A afirmação das identidades trans pode ser um passo no sentido de desvelar o caráter social do sexo e do gênero e seu papel como mecanismos da reprodução social sob o modo de produção capitalista.”
Eles pontuam ainda que existe uma mudança significativa no cenário na base das universidades: “se em 2016, a quantidade de pessoas trans na maioria das universidades públicas era da ordem de até uma dezena, hoje é possível afirmar que falamos de pelo menos uma centena em diversas universidades.
No entanto, 33% das pessoas trans que acessam as universidades dependem de programas de permanência, 58% são negras e 76% têm renda per capita inferior a 1,5 salário mínimo.”
E finalizam: “Enquanto comemoramos uma importante vitória, reafirmamos nossa compreensão da necessidade de combater as desigualdades sociais e formas de opressão, de modo a garantir a permanência nas universidades, e nosso comprometimento em dar voz e continuidade a essa e quaisquer outras lutas da classe trabalhadora”.