• Quando o crédito se torna uma armadilha: como os brasileiros estão se afundando em dívidas e arriscando o futuro econômico do país

    Siga o colunista da Folha de Barbacena no @gabrielmedeirosbr

    Considerando o contexto em que vivemos hoje no Brasil, existe uma grande chance de você, que está lendo esta matéria, ter pelo menos um cartão de crédito em seu nome (ainda que seja um cartão adicional), correto? O que talvez você não saiba é que além disso, existe uma chance de 52% de você ter mais cartões de crédito na sua carteira do que braços no seu corpo. Pelo menos é o que mostra um relatório recente divulgado pelo Banco Central do Brasil. Segundo o órgão, o número de cartões de crédito ativos no Brasil passou de 100 milhões em 2019 para 209 milhões em 2022. Desse total, 52% da população detinha pelo menos 3 cartões, e 17% da população tinha 5 ou mais cartões.

    Em teoria, isso deveria ser uma boa notícia, pois significa que a população está tendo um acesso mais fácil ao crédito, sobretudo por meio de bancos digitais. Porém, é provável que você não tenha interpretado tudo isso de maneira positiva. E de fato, hoje no Brasil isso é uma péssima notícia.

    A justificativa para esse olhar negativo você até já deve imaginar: endividamento. De fato, quando o cartão de crédito é bem utilizado, há um potencial enorme tanto para aumentar o poder de compra do indivíduo quanto para gerar benefícios (hoje em dia há vários cartões que devolvem parte do valor gasto neles ou geram milhas que podem ser trocadas por passagens aéreas). Por outro lado, quando ele sai do controle, pode te obrigar a utilizar o conhecido crédito rotativo, que chega a cobrar juros de 447,7% ao ano, segundo dados de abril de 2023.

    O grande problema é que esse efeito “bola de neve” dos juros do cartão, apesar de já ser conhecido pela população, muitas vezes não recebe a atenção devida, de forma que quando as pessoas menos esperam, já estão acumulando uma dívida praticamente impagável. Não é à toa que, segundo o Banco Central, 48,2% das dívidas de crédito rotativo de março deste ano estão em atraso, ou seja, quase metade das pessoas que ultrapassam o limite do cartão de crédito não conseguem pagar.

    Mesmo que a pessoa opte pelo parcelamento fixo da fatura com juros reduzidos, os encargos giram em torno de 200,7% ao ano, valor alto o suficiente para prejudicar o orçamento familiar.

    Fato é que, além dos números que apresentei aqui, poderia falar de muitos outros dados (inclusive dados de inadimplência do SPC e SERASA) que corroborariam a ideia de que não somente o cartão de crédito é uma das piores formas de se endividar no Brasil, como também ele representa boa parte das dívidas negativadas no país. Porém, o problema já está aí e já o conhecemos muito bem, resta saber agora o que nós, enquanto população, e o governo podem (e devem) fazer para não somente resolver o problema, mas evitar que ele se repita.

    Isso ocorre porque, quando uma família se endivida pelo cartão de crédito, ela perde poder de compra e reduz drasticamente sua capacidade de consumo, o que afeta não somente ela, mas toda a economia brasileira.

    As primeiras vítimas desse endividamento, além dos próprios devedores, são as instituições financeiras, sobretudo se considerarmos que boa parte dos novos cartões de crédito emitidos nos últimos anos vieram de bancos digitais, cooperativas e outras empresas menores, o que faz com que a inadimplência para eles cause efeitos muito piores, podendo até levar à quebra do negócio.

    Mas logo em seguida, as próximas vítimas são todas as empresas que vendem produtos ou prestam serviços para o cidadão. Se a pessoa não tem mais condições de gastar, não irá consumir mais nada, fazendo com que as empresas quebrem por falta de vendas. E ao não conseguirem vender, essas empresas também não compram mais nada de seus fornecedores. Em última instância, o próprio governo é prejudicado pela perda de arrecadação de impostos que ocorre devido à paralisação da economia.

    Como você pode ver, não é preciso pensar muito para perceber que o endividamento pelo cartão de crédito tem a capacidade de afundar toda a economia do país. Portanto, é necessário que o governo intervenha de várias formas para não permitir que isso aconteça.

    Uma possível primeira iniciativa já havia sido apresentada durante o período das eleições pelo plano de governo do atual presidente Lula: o programa “Desenrola”, que, apesar de ainda não ter sido oficialmente apresentado pelo governo, propõe a criação de uma plataforma de renegociação de dívidas para pessoas de baixa renda por meio de um mecanismo de leilão de descontos. Além disso, a equipe econômica vem discutindo outras formas de lidar com o problema, como mudanças de regras no crédito rotativo, limitação de juros, entre outros.

    Contudo, apesar de tais iniciativas serem bem-vindas, elas resolvem o problema apenas no curto prazo. Afinal, renegociar a dívida de famílias brasileiras não necessariamente significa que não haverá a criação de novas dívidas. O problema da relação do brasileiro com o dinheiro é muito mais enraizado do que isso, envolve até mesmo questões culturais. É bem provável que você já tenha escutado (ou dito) a seguinte frase: “passa no cartão, depois a gente dá um jeito de pagar”.

    É preciso que o governo trabalhe tanto de maneira preventiva quanto de maneira reativa. Para resolver o problema de hoje, ele precisa reagir criando leis e mecanismos que impeçam juros abusivos, que garantam limites de gastos que protejam o cidadão do alto endividamento e que permitam a renegociação de dívidas antes que elas se tornem superendividamento, ponto no qual o cidadão não consegue mais pagar a dívida sem que a instituição financeira seja forçada a oferecer descontos.

    Porém, para prevenir que isso aconteça em gerações futuras, é preciso que haja iniciativas voltadas para a educação financeira de maneira eficiente, capazes não somente de manter essa disciplina nas escolas, como também de capacitar professores para educarem corretamente as crianças e adolescentes.

    Por fim, cabe a nós, enquanto brasileiros, também tomarmos cuidado com nosso próprio patrimônio e nossos gastos, fazendo um controle eficiente de despesas e poupando de maneira planejada. Afinal, o primeiro e maior prejudicado de qualquer descontrole financeiro que você cause é você mesmo.

    *As opiniões de nossos colunistas não necessariamente refletem a opinião da Folha de Barbacena

  • Botão Voltar ao topo
    Copy Protected by Chetan's WP-Copyprotect.