• Por que países avançados rejeitam o presidencialismo?

    O sistema parlamentarista é fruto da evolução política solidificada por séculos, sobretudo, na Europa, sendo hoje praticado em países dos cinco continentes, principalmente nos mais desenvolvidos

    Por Doorgal Borges de Andrada – De­sembargador no TJMG, membro do Insti­tuto Histórico Geográfico de MG e autor de livros jurídicos e de história.

    O sistema parlamentarista é fruto da evolução política solidificada por séculos, sobretudo, na Europa, sendo hoje praticado em países dos cinco continentes, principalmente nos mais desenvolvidos, como eslavos, asiáticos, árabes, europeus ou americanos, com grandes áreas territoriais (iguais ao Bra­sil) tais como a Índia, Austrália, Canadá ou Paquistão, e também naqueles com pequenas áreas como a Holanda, Japão, Bélgica, Reino Unido, Israel, Suécia, Ma­lásia, Áustria, Tailândia ou Dinamarca. Ao contrário, na América Latina e África predomina o presidencialismo.

    Naquele sistema quem governa não é o presidente (na República) nem o rei (na Monarquia), mas o primeiro-ministro. Sem um mandato fixo para governar, se estiver indo bem prosse­guirá por tempo indeterminado por de­cisão majoritária do parlamento, como foi o caso das primeiras-ministras: In­dira Gandhi, na Índia; as conservadoras Margareth Thatcher, no Reino Unido e Ângela Merkel, na Alemanha. Todas governaram mais de 12 anos. Se o governo estiver ruim, a vantagem é que pode ser substituído a qualquer momento por outro do mesmo partido ou não, sem crises e traumas do impeachment do presidencialismo, que rompe o man­dato pré-fixado.

    Considerando os fatores históri­cos próprios daquela época, foi nos 45 anos do Segundo Reinado, sob um modelo similar ao parlamentarismo, que o Brasil viveu um dos períodos, relati­vamente, mais estáveis econômica e politicamente. Proclamada a República, em 1889, copiamos os EUA implantan­do o presidencialismo- federalista.

    No Brasil, tivemos dois plebiscitos sobre a volta do parlamentarismo para afastar o presidencialismo, e, ambos foram politicamente viciados de pre­conceitos. Em 1963, um plebiscito ca­suístico foi programado para rejeitar o parlamentarismo vigente, já aberta­mente solapado pelo próprio primeiro-ministro, pelo presidente e pelo parla­mento, pois o sistema fora imposto ao país com a renúncia do presidente Jânio Quadros. O outro, em 1993, foi misto e confuso. Discutiu-se também a volta da monarquia ou permanecer a Repúbli­ca. Seus adversários aproveitaram a confusão para dizer que o parlamen­tarismo seria a volta da monarquia, e, sofreu ainda forte campanha contrária, orquestrada pelos presidenciáveis da eleição do ano seguinte (1994), que pensavam na vitória e manter o poder ultracentralizado do nosso presiden­cialismo-imperial.

    Os EUA, com sua Independência em 1776, inovando uma opção ao par­lamentarismo, inventaram o presiden­cialista moderno, mas, para impedir e não permitir que os três poderes da União – Presidência, Corte Suprema e Congresso – comandassem sozinhos um país tão grande com fortes diferenças regionais (similar ao Brasil). Assim, ide­alizaram e criaram o modelo federalista (divisão do país em estados), opondo-se ao Estado Unitário, para impor limites ao presidencialismo ante os abu­sos políticos, judiciais ou legislativos, decorrente da centralização artificial de poderes na União.

    Presidencialista, mas com federalismo exemplar, os EUA descentralizam o poder em 50 estados. Cada um deles, mantém o direito de ter suas próprias leis estaduais – diferente daqui – seja sobre direito criminal (por exemplo: aplicar ou não a pena de morte), di­reito civil, eleitoral, empresarial, agro­pecuário, fiscal, processual, imobiliário, etc. Cada povo e cada estado decide o jeito que prefere viver. Decidem a idade para ser motorista, (16, 18 ou 20 anos); com qual idade podem votar e se irão aceitar ou não o voto pelo correio; qual o tipo de urna e de apuração eleitoral vão praticar na eleição municipal, es­tadual e mesmo a presidencial; qual a forma de escolher e nomear seus juízes, delegados e promotores; o tempo de mandato de seus deputados estaduais e governador; se será permitido ingerir bebida alcoólica nas ruas.

    A Constituição Federal não pode ser alterada apenas pelos membros do poder central (deputados federais e se­nadores), pois as emendas necessitam também da aprovação de três quartos das Assembleias Legislativas estaduais que compõem a federação. Portanto, a União não é poderosa e imperial. Cada estado possui o seu Tribunal de Justiça (‘de Apelação’) e sua Suprema Corte Estadual, sem haver a possibilidade de recursos para a Corte Suprema Federal. E, sequer existe algo como o nosso Su­perior Tribunal de Justiça (STJ), um dos grandes símbolos da morte do nosso federalismo.

    Nascidos com a República em 1889, aqui, o presidencialismo viu o federalismo começar a desaparecer com a cen­tralizadora ditadura do Estado Novo, de Vargas (1937-45), depois os governos militares (1964-85), e, nos 14 anos do governo esquerdizante centralizador (2003-16). Hoje anulados, estados e municípios não detém poder signifi­cativo, seja na esfera política, judicial, econômica, legislativa, fiscal, adminis­trativa, quase concentrados e submeti­dos a poucas pessoas: presidente, Tribu­nais Superiores e o Congresso Nacional, sem falar na frieza das tecnocracias dos ministérios, agências, conselhos na­cionais, institutos e fundações. O atual sistema presidencialista-imperial igno­ra as reais necessidades regionais.

    Em linhas gerais, nas democracias, com pequenas alterações peculiares a cada país, temos cinco sistemas a pre­dominar. 1) parlamentarismo-federalis­ta: Alemanha; 2) parlamentarismo em um estado unitário: Japão; 3) presiden­cialismo- -federalista: EUA (como foi o Brasil); 4) presidencialismo em um es­tado unitário: Angola (e, na prática, o Brasil); 5) semi-presidencialismo: Rús­sia. Portanto, nosso presidencialismo-imperial é exceção, atrofiado por vícios a bloquear qualquer gestão boa e moderna.

    Somos o 5º maior país e o 6º mais populoso do mundo, e, ao que tudo demonstra, precisando atualizar no modelo para voltar o federalismo, ou parlamentarismo, ou experimentar um semi-presidencialismo a barrar o presidencialismo-imperial, diante dos superpoderes dados ao presidente, Congresso e STF – nesse território tão vasto. O país, infelizmente, na prática (sob qualquer governo), vive sob atos típicos do caudilhismo, arbitrarismo, coronelismo, apadrinhamentos, popu­lismo, estatização clientelista, nas suas decisões inócuas centralizadas, sejam econômicas, judiciais, legislativas. Na verdade, um disfarçado Estado unitário artificial, alheio aos problemas e diver­sidades regionais, a sufocar a democra­cia, empresas e a população.

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