• Nove de março ou 14 de agosto? Você sabia que Barbacena já teve duas datas de aniversário?

    Por Edson Brandão

    Poderia ser loucura…poderia ser bipolaridade… Muitos evocariam aquele velho clichê: “Só em Barbacena acontece isso…” O fato é que por algumas gerações o aniversário de emancipação política da cidade considerava a data de nove de março de 1840 como nossa data de nascimento como unidade municipal autônoma. Somente na década de 1990 que passamos a considerar o 14 de agosto de 1791…

    Mais do que um capricho político ou uma das célebres manifestações da inata maluquice barbacenense, o que está por trás dessa mudança nada mais é do que uma reinterpretação de documentos históricos e um revisionismo por vezes necessário, ante às disputas ideológicas e visões conflitantes de mundo.

    Na história do 9 de março x 14 de agosto, podemos afirmar que prevaleceu a factualidade. A História como ciência se baseia em conceitos teóricos como historicidade, autenticidade e factualidade, sobrepondo-se documentos e fontes, aos mitos e tradições orais, na maioria das vezes construídas ao longo do tempo e ao sabor dos interesses. Foi assim que o Professor Altair José Savassi (1914 – 2003), importante historiador barbacenense, quando da possibilidade de se celebrar os 200 anos da fundação da vila de Barbacena, em 1991, levantou em escritos e palestras a tese de que, apoiado em fatos e farta documentação, deveríamos considerar o dia 14 de agosto de 1791, em plena administração colonial portuguesa e da Devassa contra os chamados “inconfidentes”, o marco em que ocorreu a real emancipação política e administrativa da então Vila de Barbacena, anteriormente denominada arraial da Igreja Nova. O próprio Savassi nos esclarece em trecho de seu livro, “Barbacena, 200 anos”, publicado em 1991, quando se celebrava o bicentenário da vila:

    “Bicentenário refere-se aos duzentos anos da criação de nosso município, da nossa emancipação política e administrativa, do nosso nascimento propriamente dito, do início, do começo de nossa vida própria, de nossa circunscrição administrativa. Antes disso, pertencia este arraial – então denominado arraial da Igreja Nova, da Borda do Campo (ou Campolide) ao município de São João del-Rei, em parte e ao município de São José del-Rei (hoje Tiradentes) noutro setor. Acontece que estávamos subordinados, administrativa e judicialmente também àqueles municípios. A distância que nos separava daquelas comunas era grande, com muita carência dos meios de comunicação, sem estradas, caminhos péssimos e perigosos. Durante os percursos de Barbacena a qualquer dos dois centros habitacionais acima referidos eram comuns os assaltos e as despesas com os oficiais de justiça – nas demandas – muitas vezes eram maiores do que o próprio valor das causas, o que provocava, não raramente, desistência dos interessados em defender os seus próprios direitos.

    Tudo isto e outras coisas também, levaram os habitantes desta região e circunvizinhanças a enviarem uma representação ao então Governador de Minas – Visconde de Barbacena – solicitando a criação, aqui, de um município, cuja sede seria a vila que, nos proporcionaria os benefícios e as garantias de que tanto necessitávamos.

    A 14 de agosto de 1791, fomos atendidos. Passamos a ter a nossa própria vida, independente dos antigos municípios a que estávamos subordinados – levantando-se, no mesmo dia, no Jardim Municipal (então Largo da Matriz) o Pelourinho – que era SÍMBOLO DA AUTORIDADE E DA JUSTIÇA. Vila, naquela época, tinha praticamente quase as mesmas características de uma cidade. Era a sede do Município. A única diferença, aliás, era que a cidade tinha direito a mais dois vereadores. Nada mais. Quando, portanto, Barbacena foi, a 9 de março de 1840, elevada à categoria de cidade, foi uma promoção, é verdade, mas não se iguala à criação do Município de Barbacena. Quem não existe não pode ser promovido. Tem um valor bem mais acentuado, sem a menor sombra de dúvida.” (Savassi, 1990)

    Assim, ainda segundo o autor: “baseada nestes argumentos históricos, a Câmara Municipal de Barbacena, através da lei número 2524, decretou Feriado Municipal, o dia 14 de agosto, em comemoração ao Aniversário do Município de Barbacena, festejando, neste ano de 1991, 200 anos de sua emancipação política”. (Savassi, 1990)
    Explicada a razão da mudança, resta supor que o dia 9 de março tenha prevalecido por tanto tempo não só por conter a palavra “cidade” como o novo status administrativo de Barbacena, como também por ter nos sido dada esta condição já na fase imperial do Brasil e não na Colônia, quando o jugo português se impunha com mão de ferro e era pouco benevolente com arroubos de nacionalismo ou “nativismo”, para usar um termo mais exato.
    Assim, em 1991, “envelhecemos” 50 anos em apenas uma canetada, mas graças ao Professor Savassi acertamos nosso relógio histórico com um fato marcante e inquestionável da trajetória identitária e política de Barbacena.

    Edson Brandão é pesquisador de História Regional, membro efetivo da Academia Barbacenense de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico da Região de Guarapiranga, Borda do Campo e Pomba – IHG GBP.

     

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