• Espelho difuso

    Por Marcos Faria

    Eu não poderia estar mais contente, foram muitos anos de esforço e sacrifício para chegar àquela promoção. De um panfleteiro a vendedor e agora gerente! Confesso que esperava um salto ainda maior no valor do salário, mas o status enriquecia meu ego.

    Minha primeira semana foi puxada, era preciso mostrar e impor respeito. Acabei cortando certas intimidades com alguns colegas, afinal, eu não era mais só um funcionário com apelido diminutivo, agora era hora de ser chamado pelo meu verdadeiro nome, Antônio, no latim, traz a ideia de “chefe, o principal” e era preciso resgatar esse valor, eu não era mais o “Tonin”.

    Confesso que hesitei em puxar a orelha dos meus colegas de trabalho, mas já tive que cortar da minha vida amizades mais importantes para conseguir meus objetivos no trabalho. Quando virei vendedor fui aconselhado a não andar mais com o “bonde”, aqueles amigos poderiam “queimar” minha imagem no trabalho, disseram-me. Confesso que fiquei chateado, mas arrumar emprego é tão difícil para um rapaz como eu, ainda mais em Barbacena. Para conseguir o de panfleteiro eu tive que cortar meus dreads e mudar minha roupa, afinal eu era parte de uma propaganda, da imagem da loja, não era de bom “tom” aquele meu estilo.

    Essas amizades antigas já devem me tachar de metido, agora que virei gerente só vai reforçar o ranço que provavelmente cultivei, mas não devo me importar mais com isso, já não tenho vínculos com eles, “Tonin” agora tem outras coisas mais importantes para pensar, ou melhor, Antônio tem.

    Acordei animado naquela manhã de domingo pronto para pôr em prática meus planos e aproveitar minha folga. Espreguicei-me e corri para o banheiro sem imaginar que algo verdadeiramente assustador estava me esperando.

    Olhei para o espelho e minha imagem estava borrada, distorcida, difusa… Olhei com estranheza, mas mal conseguia ver meus olhos no reflexo. Minha primeira impressão foi tranquila de certa forma, a imagem borrada de meu reflexo não abalou minha razão, afinal, poderia ser apenas minha vista embaçada matinal. Mas após lavar o rosto e esfregar bastante os meus olhos eu fitei mais uma vez meu reflexo e ele permanecia distorcido. Olhei ao redor para as demais coisas e elas estavam nítidas e normais, observei a escova de dentes em minha mão e ela estava perfeitamente normal aos meus olhos.

    Murmurei com assombro deixando a escova cair no chão e meu coração acelerou, aquilo era realmente impossível! Estaria eu ficando louco? Isso é uma fama de minha terra, “cidade dos loucos”, eu pensava.

    Só pude pensar que aquele espelho difuso estava me acusando. Eu me perdi, já não sabia mais quem eu era…

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