• Entenda o caos das viagens canceladas pela 123 Milhas: o que fazer para recuperar o dinheiro e qual o impacto na economia do país

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    Caro leitor, seja muito bem-vindo a mais uma coluna de economia para não economistas! Desta vez, ao invés de falar sobre política e economia, venho discutir um assunto que está em alta no Brasil desde a última semana e que provavelmente afeta alguém que você conhece ou até mesmo você. Estou me referindo à 123 Milhas e ao problema generalizado que ela causou ao cancelar todas as viagens vendidas pela plataforma, programadas de setembro a dezembro de 2023.

    Eu particularmente conheço inúmeras pessoas prejudicadas por essa decisão da empresa. E o pior, pessoas que nunca fizeram nenhuma viagem de avião e que, pela primeira vez, poderiam desfrutar de férias mais que merecidas em alguns dos principais pontos turísticos do mundo por um preço bem mais acessível que a média.

    Mas se você não faz ideia do que estou falando ou se viu alguma reportagem na TV ou na internet e não entendeu, permita-me explicar resumidamente o que aconteceu.

    A 123 Milhas é uma agência de viagens digital que foi fundada em Minas Gerais e se tornou uma das principais empresas do setor, sendo procurada sobretudo pela classe média que por muitas vezes não tinha condição de comprar passagens diretamente com as companhias aéreas devido ao alto custo.

    No princípio, a agência funcionava apenas como um shopping que intermediava a negociação entre pessoas que tinham milhas aéreas sobrando (aquelas que você ganha ao usar um cartão de crédito que oferece o benefício) e pessoas que queriam fazer uma viagem pagando mais barato.

    Porém, com o passar do tempo a empresa foi crescendo e desenvolvendo novos serviços, sendo um deles o causador de todo o problema que estamos vivendo agora: o Promo 123. Este que representa mais da metade do negócio da agência hoje, consiste em vender, em dinheiro, pacotes com passagens aéreas e hospedagens (em alguns casos somente a passagem) por um preço muito menor do que o normal. Antes de todo o problema ocorrer, era possível encontrar passagens de ida e volta para Lisboa, em Portugal por menos de R$ 1.500. Até mesmo pacotes de ida e volta para Gramado no Rio Grande do Sul, incluindo hospedagem de 3 diárias, por menos de R$ 600.

    Mas como a 123 Milhas conseguia sustentar esse modelo? A ideia é bem simples! Lembra que eu falei anteriormente que a agência começou suas atividades como um shopping de milhas? No Promo 123 ela fazia algo muito parecido. Para oferecer passagens a um custo muito baixo, ela adotava um processo conforme explicado abaixo:

    • Inicialmente a agência comprava milhas de pessoas que estavam interessadas em vender na plataforma por um preço abaixo da média do mercado.
    • Em seguida, ela vendia os pacotes aos clientes que queriam viajar com a prerrogativa que estes deveriam ter uma flexibilidade de 24 horas antes e depois da data para viajarem.

    Ou seja, se você escolhesse ir para Portugal no dia 22/09/23, precisaria ter flexibilidade para viajar em qualquer horário entre às 00h00 de 21/09/2023 e 23h59 de 23/09/2023. Também não seria possível escolher a companhia aérea que faria a viagem, podendo ser definidas apenas as datas prováveis da viagem e a cidade de partida.

    • Com a venda dos pacotes realizada e o dinheiro recebido, a 123 Milhas prometia ao consumidor que, até 20 dias antes da data da viagem, os bilhetes aéreos seriam emitidos dentro das regras que mencionei acima. Para isso, o cliente que tivesse feito a compra preenchia um formulário inserindo os dados de todos os passageiros.
    • Pois bem, nesse meio tempo entre o cliente realizar a compra do pacote e a 123 fazer a emissão das passagens, a agência monitorava o mercado em busca da melhor condição possível para fazer a compra dos bilhetes utilizando as milhas que tinha em estoque (fruto das compras que havia feito na primeira etapa do processo)
    • Feita a emissão dos bilhetes, o consumidor recebia todas as informações necessárias para sua viagem, e a agência lucrava por ter feito a compra nas melhores condições possíveis e com um custo abaixo do que foi pago pelo cliente.

    A ideia por trás desse modelo é ótima! Por um lado, pessoas como eu e você podiam fazer viagens a preços muito mais acessíveis e por outro lado a 123 Milhas faturava com as negociações. Sem contar que pessoas que tinham milhas perdendo no cartão de crédito conseguiam fazer algum dinheiro também.

    O problema é que esse modelo de negócio começou a se tornar insustentável. Isso porque depois da pandemia de COVID-19, os preços das passagens aéreas começaram a subir, seja pelo menor número de aviões disponível, pelo aumento do custo de combustível ou até mesmo pela maior procura da população. Fato é que as companhias aéreas estavam tendo prejuízo com as milhas aéreas que permitem as viagens “de graça”. Para compensar, elas aumentaram o preço das passagens em milhas, chegando a triplicar o valor necessário de milhas para a compra de um bilhete.

    Acontece que a 123 Milhas vendia seus pacotes Promo com antecedência, às vezes superior a 1 ano da data da viagem. Sem contar que se o cliente comprasse com o máximo de antecedência possível, ele conseguia um desconto maior em relação ao preço da passagem fazendo com que a agência tivesse um faturamento menor.

    Nesse ponto você mesmo já deve ter deduzido que com o aumento do custo dos voos, a agência não conseguia ter lucro na operação, de modo que as milhas que a empresa tinha em estoque já não eram mais suficientes para atender a demanda de todos os clientes.

    Como resultado, a empresa decidiu suspender a venda e emissão de bilhetes e pacotes até o fim do ano. Porém, ao invés de oferecer o reembolso em dinheiro aos clientes, optou por oferecer um vale-compras equivalente ao valor pago pelo cliente no pacote acrescido de juros para que fosse usado para novas compras no site. Alguns clientes alegaram que receberam o valor dividido em 5 vales, não podendo utilizar todos ao mesmo tempo em uma nova compra.

    O resultado disso? Insatisfação generalizada dos clientes por justa causa, já que em casos como esse, o Código de Defesa do Consumidor prevê que deve ser oferecido ao cliente o ressarcimento integral em dinheiro do valor pago, acrescido de correção monetária e compensação de danos. Não por coincidência, o assunto virou caso de investigação até pela CPI das pirâmides financeiras no Congresso Nacional.

    COMPREI UM PACOTE E ELE FOI CANCELADO, O QUE FAZER?

    Advogados de todo o país têm recomendado que os clientes prejudicados procurem o quanto antes o PROCON ou o tribunal de pequenas causas de sua região para judicializar a questão, uma vez que com o passar do tempo pode ser ainda mais difícil resolver o problema e a própria empresa não está tomando atitudes que estão de acordo com o que prevê a lei.

    MEU PACOTE É PARA 2024 E NÃO FOI CANCELADO, SEREI AFETADO?

    A princípio não! Porém, acho pouco provável que a empresa consiga honrar as viagens vendidas para o próximo ano, especialmente agora que ela deve ser acionada na justiça para responder inúmeros processos e pagar indenizações.

    Se você comprou a passagem a pouquíssimo tempo e ainda consegue solicitar o cancelamento sem multa, pode ser uma opção viável para evitar maiores dores de cabeça. Também é possível solicitar o cancelamento após o prazo de desistência, mediante o pagamento de uma multa.

    Isso pode te causar uma perda financeira, mas se você não estiver disposto a ter surpresas nas suas férias do próximo ano, pode ser uma opção mais saudável.

    Agora se você escolher esperar, tenha em mente que há grandes chances de o mesmo acontecer para as viagens de 2024 e até lá, pode ser que a saúde financeira da empresa esteja ainda pior. Portanto, procure uma assistência jurídica se tiver condições, para verificar qual a melhor solução para o seu caso.

    QUAL É O IMPACTO DISSO PARA A POPULAÇÃO EM GERAL E PARA O PAÍS?

    Como boa parte das pessoas que utilizam viagens flexíveis não tem condições de pagarem passagens tradicionais (especialmente agora que os preços estão ainda mais altos), podemos ver uma desaceleração muito grande no setor do turismo do país, não somente por conta dos clientes da 123 Milhas mas também pela perda de confiança pelos consumidores em empresas do setor.

    Isso significa que, além do prejuízo financeiro individual daqueles que se programaram para realizar o sonho de uma viagem, todo o setor de turismo pode ser afetado. Isso inclui hotéis, guias turísticos, comércios voltados para turistas, bares e restaurantes, entre outros.

    Portanto, é de suma importância que o governo e os órgãos de defesa do consumidor atuem de maneira firme para proteger e ressarcir da melhor maneira possível aqueles que foram prejudicados diretamente por esse problema, a fim de que esse caso não se torne um problema ainda maior!

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