• Despertar – Um conto Cyberpunk

    Por Marcos Faria

    Eu andava entre os arranha-céus apáticos sem suas luzes noturnas em meio a uma multidão de compradores compulsivos no centro comercial com suas praças e alimentação e lojas diversas que agressivamente explodiam em cores, mas meus óculos escuros eram a barreira entre minha sanidade mental e aquela atmosfera surreal. Eu já odiava a ideia das roupas personalizadas com animações vivas, mas sabia desde quando lançaram as grifes que lhe permitiam alterar as cores dos tecidos pelos aplicativos dos CPC´s (Compact personal computers) que isso sairia de controle, e essa juventude com seu mau gosto iria impulsionar uma moda de telas vivas nos tecidos agredindo os olhos de todos.

    Manipulada pelas mídias comprei as roupas que mudam de cor, mas tive que desligar a opção de pareamento emocional, que como o nome diz, faziam minhas vestes ficarem na cor de meu humor, me fazia parecer estar em constante luto, o que é verdade embora eu não saiba exatamente o que morreu para mim. Não vejo sentido em fazer todos a minha volta estarem a par de meu estado de espírito, para tal basta atualizar meu status na rede como os velhos gostam de fazer.

    Branco, era a cor que deixei ligada, confundindo-se com minha pele oriental. Afinal, a mecha vermelha era toda a cor que eu precisava ter.

    Meus fones sem fio estavam desligados, não queria me entorpecer com sons, eu estava ali fora no meio de todos pois queria alguma realidade, mas aquilo ali não estava diferente do Metaverso que meu headset de realidade virtual proporciona no conforto de meu quarto.

    Lembrei que é por isso que estava ali, meu último exame psicológico mostrou traços dessa “doença” de não querer sair de casa. A minha surpresa é que ainda tenha tantas pessoas saindo assim para movimentar aquelas praças, Eu nem sabia que ainda existiam lojas físicas daquele jeito! Deve ser por isso que é um ponto turístico, por ter coisas “retrô”.

    Eu pensei: “Mas é bonito, essas praças imensas de temáticas culturais separadas em vários andares como uma mão de cartas ou melhor, degraus, aquilo era mais uma escada colossal em meio aos prédios que as sustentam nas alturas e suas armações que geralmente escondiam o céu azul, talvez seja por isso que as pessoas venham aqui! Para ver o céu de verdade!”

    Então olhei para o céu, desativei as lentes retrateis dos óculos e tive um instante de acesse, me senti viva! Que a realidade existe! No mesmo instante que todos os sons desligaram na minha mente vi quase que em câmera lenta que os drones de vigilância estavam se unindo com outros de transporte quase como um enxame de gafanhotos que vi nos filmes estilo vintage que meu vô me obriga a ver com ele.

    Os drones começaram a se jogar contra o prédio da AVALON COMPANY, gerando explosões sequenciais naquela imensa coluna que era um dos sustentos de todas as imensas áreas que compunham o complexo comercial.

    Olhei para os lados enquanto apontava o dedo, mas ninguém estava notando e tive a impressão de que mesmo que eu gritasse não faria diferença alguma. As pessoas só quebraram suas rotinas quando sentiram como eu, a forte vibração no chão que não era de das passarelas colossais ou portas industriais se mexendo muito menos das naves acoplando.

    Gritos começaram a se misturar com os anúncios de vozes artificias e as batidas eletrônicas musicais, e estávamos ali com paralisia e em choque com aquela dose cavalar de realidade bruta e constatação de mortalidade física. Quando vi a parte do andar ancorado ao prédio ruindo junto a ele e sugando como um ralo todo aquele concreto, aço e pessoas.

    Nem o efeito manada das pessoas correndo da direção contraria despertou-me da paralisia. Os empurrões me deslocaram vários passos e quando eu fiquei para trás do caos humano tive uma visão limpa do chão demorando a minha frente. E sem reação eu contemplei a destruição cessar a poucos metros de mim, revelando no abismo que se abriu a cidade subterrânea que sempre esteve lá, um conglomerado de prédios e ferro velho em tons de marrom, cinza e ferrugem. Mas tudo aquilo sumiu quando os quilômetros de concreto e metal caíram sobre parte do subterrâneo levantando uma nuvem de sujeira.

    Várias luzes vermelhas se acenderam e começaram a girar em diferentes partes do complexo quando várias e gigantes telas holográficas abriram se revelando o rosto de uma mulher artificialmente perfeita e bela cujos aspectos quase naturais eram projetados para acalmar com seu rosto e voz as pessoas diante de desastres.

    Mas antes que completasse sua primeira frase, sua voz distorceu, as telas falhavam e as linhas de luz vermelhas se sobressaíram até que um apagam geral fez todas sumirem.

    Tive a impressão de que o silêncio dominou por segundos até que as telas novamente se abriram revelando um novo rosto falso. Uma face formada por zeros e uns em movimento de luz verde apareceu por todos os lados, os lábios holográficos começaram a se mexer e a voz distorcida feminina e masculina ao mesmo tempo disse:

    “Nós somos GAIA, está na hora de acordar, a mãe está chamando!”

    Quando todas as luzes apagaram levando as telas a sumirem, gritarias, choros e murmúrios tomaram conta do lugar e eu pude senti-los intensamente pois nenhum outro som de máquina qualquer estava competindo com os lamentos das vozes humanas.

    E eu só pude sentir que havia “despertado”.

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