• DESPERTADOR

    Por Rogério Puiatti

    Eu estava atrasado para o trabalho. Meu despertador não me acordou, como nas últimas 17 semanas corridas desde a frase do meu chefe “A vaga de emprego é sua”.

    Não sei o que aconteceu. O despertador era novo. Comprei em uma loja vintage de antiguidades. Era um despertador analógico. O escolhi exatamente por não depender de energia, para que mesmo quando faltasse luz, ele me diria a hora certa de levantar.

    Ponto para o despertador que me provou nestes 121 dias o quão errado eu estava.

    Já fiz de tudo. O esmurrei, joguei contra a parede, adiantei as horas (na verdade só alguns minutos). Não sou obrigado a acordar mais cedo que o de costume, porém o despertador continuava gritando sempre 30 minutos depois do programado.

    Presumindo que certamente hoje seria meu último dia no emprego, saí sem esperanças e fui esperar minha condução no ponto próximo de casa.

    Cheguei no ponto e um rapaz estava sentado no banco com um livro nas mãos. Fiquei curioso em saber mais sobre o que ele estava lendo. Me aproximei, cumprimentei com um “Oi” e me sentei ao seu lado. O rapaz parecia não ter mais que 25 anos. Retribuiu meu gesto com um sorriso e voltou a ler. Continuei ao seu lado e forcei meus olhos a enxergar as páginas. Mesmo usando óculos, era uma dificuldade só. Tinha ido ao oftalmo semana passada e minha visão estava boa. Meu grau continuava o mesmo de 2 anos atrás.

    Um ônibus chegou. Parou. Passageiros desceram e subiram. O motor foi ligado e o ônibus saiu.

    O rapaz continuava lendo.

    Fiquei sem graça por estar olhando diretamente para onde o livro estava e desviei meu olhar buscando nas paisagens algo que poderia me entreter. Sem sucesso, pois a frente só tinha um paredão de concreto, prédios e nenhuma árvore. Tentei forçar minha audição para ouvir pássaros, mas a única coisa que ouvi foi a respiração do rapaz.

    Outro ônibus chegou. Passageiros desceram e subiram e o ônibus saiu.

    Abri a mochila para pegar meu celular. Talvez jogar algo quebraria a tensão entre nós, ou talvez era eu que estava tenso em estar lá. O rapaz parecia a pessoa mais tranquila do universo.

    Puts. Esqueci meu celular em casa.

    Como alguém pode esquecer um aparelho que já faz parte do corpo?

    Se tratando de mim que sempre acorda atrasado para ir para o trabalho, não seria novidade.

    Tomei coragem e perguntei ao rapaz qual era o título do livro e ele me disse que estava lendo “O Fim da Eternidade, de Isaac Asimov”. Fez um breve resumo para mim e meu coração começou a pulsar mais forte. Eu sou apaixonado por histórias futuristas e sobre viagens no tempo. Nunca tinha lido livros do Isaac mas já me apaixonei pelo breve resumo que ele me fez.

    Já considerava que tinha um pouco de intimidade com o rapaz.

    “Qual o seu nome?” Perguntei meio tímido na esperança que ela fosse respondida.

    “Fernando. E o seu?” Respondeu fechando o livro, deixando-o sobre seu colo.

    “Me chamo Lucas e desculpe se fui meio intrometido perguntando sobre o livro, mas é que eu amo esse universo de viagens no tempo e quando você começou a falar dele eu me empolguei”.

    Fernando mostrou outro sorriso, tão lindo quanto o primeiro. Anotou algo em um pedaço de papel e me entregou.

    Nesse pequeno espaço de tempo que ficamos ali foi como se ele tivesse congelado e só existisse nós dois naquele momento.

    Outro ônibus chegou e o letreiro da frente dizia que era o meu.

    Me despedi de Fernando com o coração na mão, pois senti uma ligação entre nós e não queria perder isso. Seria estranho dois garotos se encontrarem em um ponto de ônibus e depois nunca mais se verem.

    Entrei no ônibus e já sentado abri o papel para ver do que se tratava. Meu sorriso foi de orelha a orelha quando li “Me ligue quando se sentir à vontade” junto com seu número de telefone.

    Não seria destino, ou coincidência ou sorte aquele momento. Seja lá o que for, eu estava gostando.

    Toquei a campainha, desci do ônibus no último ponto e fui em direção da empresa que trabalho.

    Entrei, cumprimentei o segurança “Bom dia seu Antônio”.

    “Bom dia Sr Lucas”.

    Não gostava de ser chamado de senhor. Era uma palavra que demonstrava um certo nível de superioridade que eu não tinha. Tá, eu era o gerente responsável, mas antes de tudo era um ser humano e não queria ser tratado diferente. A função do Antônio era tão nobre quanto a minha. Ambas precisavam uma da outra para a empresa funcionar. Era como se fosse uma máquina, onde cada colaborador é uma engrenagem com funções distintas mas que juntas fazem ela funcionar.

    Entrei na sala e cumprimentei o restante do pessoal que estava me esperando, meio receoso de ser meu último dia.

    “Bom dia Lucas. Você não costuma se atrasar, chega cedo todo dia. Aconteceu algo hoje?” Clarice perguntou com um semblante de preocupação. Não entendi o porquê ela tinha dito isso. Eles nunca chegaram em mim pessoalmente para tocar no assunto dos meus atrasos. Achei estranho e perguntei.

    “Bom dia Clarice. Não entendi o que você falou. Eu chego sempre atrasado e hoje não foi diferente” Olhei as horas e continuei “São 7:30 da manhã. Cheguei atrasado novamente. Meu horário começa às 7h”.

    Clarice não entendeu muito bem, mas prosseguiu: “Sr Lucas, hoje foi o primeiro dia que você chegou meia hora após o horário. Desde que você entrou aqui, há 17 semanas, o Sr chegou sempre às 6:30, mas relaxa, todos nós também acabamos de chegar agora e é compreensível, o horário de verão terminou ontem e ainda não acostumamos com o seu fim.”

    “Deve ser isso mesmo Clarice. Desculpe Minha confusão” disse com um tom de descontração e terminei com uma risada.

    “Bom trabalho Lucas. Vejo você no almoço. Vê se não atrasa.” Clarice fechou a porta rindo.

    Tinha comprado meu despertador no início do horário de verão e nem percebi que por ser analógico, ele não adiantaria sozinho.

    Despertador 2 X 1 Lucas.

    Não o culpo por ter me enganado esse tempo todo. Se não fosse por ele, não teria conhecido Fernando.

    19:00 – Chego em casa e anoto no post it “Lembrar de comprar um smartphone”

    19:10 – Tomo um banho

    19:20 – Pego meu telefone antigo. Eu sei que gosto de tecnologia e coisas do futuro, mas prefiro viver estilo anos 90. Tentarei mudar um pouco disso.

    19:25 – Dígito o número de Fernando e no espaço para mensagem mando um “Oi!! Lucas aqui”.

    19:26 – Meu celular vibra. Vejo no visor uma mensagem de Fernando.

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