• Cine Palace: o palco das memórias e histórias barbacenenses

    Relembre o prédio que marcou a vida e a história de Barbacena

    Por Isabella Paolucci e Izadora Tavares

    No dia 18 de dezembro de 1955, em Barbacena, o Cine-Teatro Palace foi fundado. De propriedade do Caetano Orpheu Bonato e localizado na Praça dos Andradas, possuía 1.002 lugares e dois projetores cinematográficos de 35mm. Seu funcionamento diário tinha uma média anual de 797 sessões com 192.152 espectadores.

    Jornal dos anos 50 divulgando as modernas salas de cinema que chegariam à Barbacena

    Quem viveu na época em que o Palace era um dos principais lugares de entretenimento da cidade faz questão de lembrar com felicidade no olhar dos momentos vividos no local. Edson Brandão, historiador e barbacenense, faz parte do grupo de pessoas que colecionam memórias no Cine-Teatro. “Eu vou te falar da lembrança que eu tenho pessoal, é o seguinte: o cinema Palace, como era a década de 70/80, eu me lembro, por exemplo, de Star Wars, que hoje em dia todo mundo curte. Eu vi Star Wars estrear, em 1977, eu tinha dez anos de idade e foi no Palace”, comentou Edson.

    Além das histórias e memórias que o Cine-Teatro Palace traz pela diversão oferecida naquela época, a própria estrutura do local também é muito lembrada por quem teve a oportunidade de estar lá. “O cinema era muito suntuoso, um lugar muito bonito, tinha uma decoração muito imponente e era o típico cinema daquela época dos anos dourados”, ele relata.

    Jornal dos anos 50 anunciando a inauguração do Cine-Teatro Palace

    De acordo com o historiador, ir ao cinema naquela época era como um evento. Segundo ele, o cinema era um acontecimento para se colocar uma roupa legal, para paquerar e, além disso, um ponto de encontro para trocar figurinhas de álbuns daqueles anos. “Era comum as pessoas se encontrarem na porta do cinema antes das sessões para poder trocar revistas e figurinhas de álbum. Então, você vê que o cinema tinha uma capacidade de motivação imensa, porque estávamos em um mundo analógico, um mundo onde a interação só se dava ao vivo e não tinha como conversar como estamos aqui”, afirmou Brandão.

    O Portal BCN conversou também com Karla Bonato, neta do idealizador do Cine-Teatro que, de acordo com ela, era apaixonado por Barbacena, tendo como um de seus sonhos a construção do prédio. “Meu avô vivia em Barbacena e investia em Barbacena. Ele gostava muito da cidade, então ele construiu os primeiros prédios daí, como o Edifício Mônica na rua 15, o Edifício Alípio Bonato, e a construção desse prédio com hotel, lojas e cinema já era um sonho antigo que ele realizou bem no centro da cidade, era o orgulho dele!”, declarou.

    De acordo com ela, a paixão de Caetano Bonato pelo cinema era algo notável e seu interesse pela arte vinha de tempos anteriores, sendo uma de suas motivações trazer do Rio de Janeiro para Barbacena aquilo que ele tanto amava.

    Reprodução IBGE – 1958

    “O cinema foi fechado porque no Brasil as empresas cinematográficas passaram a investir nas pequenas salas. Passaram a ser salas de cinemas em shoppings e com isso o cinema saiu da rua para entrar como sala para poucas pessoas, um público menor e mais variedade, então aquela coisa do cine-teatro começou a não ter um investimento das empresas cinematográficas. O movimento caiu muito, os melhores filmes passaram a ser encaminhados para as salas, então o cinema teve que ser fechado em decorrência de uma realidade nacional. Não foi por questões pessoais, já que o meu pai adorava e foi muito frustrante pra ele abrir mão disso”, Karla relembra.

    Como não havia desejo de mudança na estrutura física do prédio, o espaço disposto no Palace permite apenas que seja utilizado para teatros entre outros que possam receber maior público, uma limitação na hora de se alugar o espaço, que já abrigou também uma sede da Igreja Universal por muitos anos.

    Com o falecimento de Caetano Bonato, o prédio passou a ter quatro proprietários, sendo os herdeiros, que realizaram uma divisão informal em que o pai de Karla ficaria responsável pelo cinema e as outras três irmãs com o hotel e as lojas. Devido a incompatibilidade de interesses entre os mesmos em que alguns preferem pela venda, outros pela conservação, enquanto outros optam pela modificação da estrutura, houveram problemas na hora de alugar novamente. “Com isso tivemos alguns aluguéis em que não fomos muito felizes e no prédio também tivemos situações que geraram débitos, débitos principalmente junto à prefeitura”, declarou.

    Karla conta que o cinema não existe mais, a única possibilidade é a transformação em um teatro ou caso investidores tenham interesse em participar para a reformulação sem a perda da estrutura do prédio, mantendo suas características e assim dando uma alavancada. As lojas ainda são possíveis de serem alugadas devido ao espaço físico.

    “O imóvel ele é gravado, existe um gravame na documentação dele que impossibilita a venda enquanto os herdeiros estiverem vivos. No momento nós temos três herdeiras vivas, o meu pai é falecido, mas existe um documento que impede essa venda e a gente teria que tentar uma modificação disso também. Enfim, existem questões jurídicas, questões financeiras, várias questões familiares que atualmente desenham essa realidade atual”, explicou ela, informando que houve um processo para tentar alavancar novamente o Cine Palace, no entanto, este foi prejudicado pela pandemia.

    Karla Bonato também conta sobre suas boas lembranças no cinema. Segundo ela, sua vida foi marcada pelas lembranças no prédio de sua família, sendo o cenário de diversas lembranças de sua geração. “Era um point mesmo. Durante os anos 60, 70 e 80 a gente ainda viveu grandes momentos ali no Cine Palace, que era um ponto de encontro e um ponto de referência externo. Quem morava fora, a gente falava do Cine Palace, do prédio, e as pessoas identificavam perto da praça, enfim só tenho excelentes recordações de lá”.

    As sessões

    Quando entramos na sala de cinema já é esperado que os primeiros minutos sejam de anúncios e trailers, e na época do Cine Palace não era diferente. “Tinha um negócio também que era muito típico do cinema daquela época, era o tal Canal 10. E o que era o Canal 10? Era tipo um noticiário mensal/semanal que mostrava como estava o Campeonato Brasileiro e, apesar de que já existiam as transmissões de TV e os jogos ao vivo, isso não era tão acessível, tão fácil como hoje. Então, assistir o Canal 10 era ver em um telão gigantesco, com um som monumental, os gols. E quem gostava de futebol ficava encantado”, afirmou Edson Brandão.

    “Eu me lembro, por exemplo, dos filmes dos Trapalhões, que é um fenômeno do cinema brasileiro e subestimado, porque eles são muito populares e não eram vistos como filmes sofisticados. Eram filmes que, quando estavam em cartaz, haviam filas começando na frente do Palace e descendo a rua Getúlio Vargas, chegando até na avenida Bias Fortes. Era assim que funcionava, as filas eram imensas, todo mundo queria ver os filmes e as sessões não eram amplas, então o pessoal ia mesmo”, relata o historiador.

    Teatro Municipal

    Durante o ano de 2013 havia um projeto da prefeitura de transformar o Cine Palace em um Teatro Municipal. De acordo com a secretária de cultura da época, Glória Brittar, o projeto surgiu como uma alternativa de sanar a lacuna da não existência de um teatro municipal na cidade de Barbacena.

    “Em 2013 a gente contatou a família, os herdeiros do prédio, fizemos um contato e fizemos um estudo mais apurado de custos para a viabilização deste projeto. Fizemos visitas técnicas, pensamos em como seria a forma do teatro funcionar, as possibilidades reais para que ele se tornasse um espaço que todos nós da classe artística e da área de eventos e a área empresarial de eventos deseja”, declarou ela à equipe do Portal BCN.

    Segundo ela, o projeto se tornou inviável em função das possibilidades físicas do prédio, não para abrigar o teatro, uma vez que teria total possibilidade, mas a questão do projeto de incêndio e pânico, além da viabilização de toda a questão tributária.

    Karla Bonato conta que a possibilidade da transformação do espaço em um Teatro Municipal agradou bastante a família pelo fato de preservar algo que seu avô gostava, além de ser algo importante para a história da cidade. “Depois de quase um ano em que nós nos vimos presos à prefeitura em relação às tratativas e as negociações em que a gente não pôde alugar pra ninguém, não pudemos fazer negócio porque havia um acordo em andamento, a prefeitura recuou”, afirmou ela, declarando que devido ao prejuízo causado, o débito se tornou maior, uma vez que a tratativa implicava em fazer uma negociação econômica financeira que envolvia os débitos anteriores e atuais.

    O Prefeito de Barbacena, Carlos Du, quando perguntado a respeito da possibilidade da transformação do espaço em um teatro atualmente, falou que a implementação de um teatro municipal está sendo estudada. “Nós precisamos de um teatro municipal mesmo e agora está na fase de discussão onde seria o melhor lugar para fazer esse teatro. Será que é o Cine Palace? Qual é o investimento que temos que fazer em reforma? Ali é um espaço privado então a gente teria que buscar uma parceria, uma concessão de uso para nós ou até utilizar os instrumentos que a Lei Federal nos dá. O espaço não é nosso”, reforçou.

    De acordo com ele, foi oferecido à prefeitura um prédio para ser utilizado com essa finalidade então está sendo estudada a melhor possibilidade para abrigar o tão sonhado Teatro de Barbacena.

    A importância para Barbacena

    O prédio que marcou a história de diversos moradores traz consigo um pouquinho de cada barbacenense. Para Karla Bonato, a história do Cine Palace se mistura à de sua família, trazendo a ela lembranças de carinho de diversos momentos de sua vida.

    “É a história de Barbacena, a história de um homem que poderia ter investido em qualquer outra cidade, qualquer outra capital, mas era apaixonado por Barbacena e se ele não tivesse morrido tão cedo, ele morreu aos 63 anos, ele teria investido muito mais, ele continuaria com a história de Barbacena e certamente eu acho que manter viva essa memória seria fundamental com obras, com reformas e manter essa estrutura Art Decó do prédio que é uma coisa espetacular”, ela relembra.

    Já para Glória Brittar, ele se mostra essencial pela cidade pela sua visibilidade e sua história, merecendo um destino tão importante quanto. “Para mim a importância do Palace é fundamental como edificação no centro da cidade, no coração próximo à praça dos Andradas e como uma possibilidade de se tornar um espaço digno, que daria dignidade a esse lugar que tem tanta história”, finalizou.

    Foto: Thiago Rossi

  • Botão Voltar ao topo
    Copy Protected by Chetan's WP-Copyprotect.