A ilusão do eu
Por Marcos Faria
Talvez você já tenha sido convidado a refletir sobre quem é você, sobre como se define subjetivamente ou até mesmo em um sentido maior, sobre o que é o ser humano e isso o levou a pensar no que você realmente é.
Em tal questionamento temos pessoas que rapidamente começam a descrever características peculiares em uma tentativa de esculpir sua personalidade, seu “eu”. Enquanto outras entram em um estado introspectivo por não acharem simples fazerem esse levantamento e explicar exatamente o que as torna quem são.
No primeiro grupo de pessoas, temos a ilusão de que se possa reduzir qualquer pessoa a um grupo de adjetivos simplórios que muitas vezes nem elas mesmas têm certeza de possuir, “Eu sou uma pessoa honesta e sincera”, será que você é tão verdadeiro assim ao ponto de considerar isso uma marca específica de sua personalidade?
Já no segundo grupo de pessoas temos uma postura mais lúcida, de que talvez seja bem complicado reduzir uma pessoa a uma lista de características. Isso é uma constatação de que talvez o “eu” seja uma ilusão.
Filosofias muito antigas já promoveram essa ideia, no Budismo por exemplo a constatação de que estamos em constante transformação é a base da ideia de que não temos como dizer o que uma pessoa é, pois embora as convenções sociais (principalmente religiosas) postularam que existe uma “essência” ou alma, no fundo somos apenas um conjunto de elementos em transformação. Nosso corpo, nossas ideias, sensações e percepções estão em constante mudança. Logo, o “eu” é uma ilusão.
Mas deixando Buda e a polêmica reflexão teológica que pode gerar de lado, realmente mudamos muito com o tempo o que já é a marca de uma inconstância do “eu”, essa “coisa” por detrás dos seus olhos não só sofreu transformações com o passar dos anos (mesmo imperceptíveis) como ela é bem mais do que características que os outros lhe atribuem, ou que você mesmo acredita possuir.
Voltando ao exemplo, uma pessoa não é 100% honesta o tempo todo, afinal, todos nós nos deparamos com situações em que a honestidade pode vir a ser uma grosseria perfeitamente evitável e optamos por não falar a verdade, só aí ela já deveria reconhecer a inconstância de se enquadrar, talvez assumir que é alguém que tenta ser o mais honesto possível. Outra pessoa considerada extremamente pacífica não está a salva de um surto de violência ao passo que outro ser considerado agressivo pode demonstrar surpreendente certa empatia e benevolência quando todos esperariam o oposto dela.
Somos tão suscetíveis às situações ao nosso entorno que qualquer sustentação de um “eu” fixo cai por terra, afinal, posso ser uma pessoa muito calma, mas em um determinado momento posso estar muito nervoso e agir em contradição com o que esperam de mim ou melhor, com a ideia de pessoa que criaram de mim.
Podemos ter uma ideia de quem são as pessoas, mas na verdade é apenas uma ilusão, pois somos escravos de nossas percepções em relação a elas e eventualmente nos surpreendemos quando elas não agem de acordo com o que esperamos delas.
Talvez o mais perto da construção do eu seja realmente essa busca por adjetivos simplistas, mas veja que loucura é pensar sobre isso: Esse “eu” que vos escreve, pode ser descrito como um sujeito bonito (Pelo menos para minha mãe ok?) Mas as características físicas são extremamente transitórias, de um físico atlético posso em semanas entrar em um aspecto sedentário (Se você passou dos trinta sabe do que estou falando rs).
Então quem sabe, esse “eu” seja o conjunto de ideias que acredito, mas da mesma maneira que meu cabelo cai, eu posso mudar de opinião ou mesmo de ideologia complementarmente!
Então quem sabe eu seja um conjunto de minhas memórias? Faria sentido, mas e aquelas pessoas que possuem alguma doença que as fazem esquecer suas experiencias de vida deixam de ser quem são por terem novas memórias?
Refletir sobre o que somos pode ser uma tarefa angustiante pelo simples fato de que quanto mais pensamos, menos é possível descrever o que realmente se é.
E então? Quem é você?