O fim das compras parceladas sem juros: entenda as possíveis mudanças no mercado de cartões de crédito do Brasil
Siga o colunista da Folha de Barbacena no @gabrielmedeirosbr
Provavelmente, depois de ler o título desta coluna, você já pensou que se trata de Fake News. Mas não é o caso! Pelo menos a discussão levantada pelo presidente do Banco Central do Brasil, Roberto Campos Neto, trata-se de uma possível inexistência de compras parceladas em várias vezes sem juros no futuro.
Mas por quê?
Bem, o presidente do banco vem afirmando que a possibilidade que os brasileiros têm de fazer compras parceladas em 10, 12 ou até 13 vezes sem juros contribui para o endividamento das famílias. Em outras palavras, você provavelmente já ouviu alguém dizer: “São parcelas de 50 reais, cabem no bolso.” E, quando menos esperava, várias compras parceladas somadas fizeram com que a fatura do cartão de crédito se tornasse impagável.
E, segundo Roberto, isso contribuiu para tornar os juros do rotativo do cartão de crédito uns dos mais altos que existem. Logo, a ideia do banqueiro é cobrar algum tipo de taxa em compras com parcelamento longo, a fim de evitar que as pessoas se endividem, ou definir um limite máximo para os juros do rotativo (em torno de 100%), que hoje ultrapassam 400% ao ano.
É claro que, quando a ideia de intervenção no mercado de cartões de crédito veio à tona, surgiram críticas e descontentamentos. De um lado, instituições representantes do comércio e da indústria afirmaram que a limitação das compras parceladas poderia prejudicar diretamente as vendas de produtos, especialmente os mais caros, que são financiados ao consumidor através de parcelas do cartão de crédito. Já os próprios bancos e seus representantes foram contra as mudanças, pois teriam suas receitas prejudicadas e seriam “forçados” a compensar aumentando a cobrança de outras tarifas, como as de intermediação, que são descontadas dos lojistas que vendem no cartão.
O que de fato vai acontecer?
A verdade é que ainda não sabemos ao certo, e por isso falarei mais sobre este assunto no futuro.
Porém, podemos analisar alguns pontos que espero que o governo leve em consideração ao tomar suas decisões.
Em primeiro lugar, sabemos que o grande número de parcelas em uma compra pode estimular pessoas menos controladas financeiramente a se endividarem. A prova disso é que provavelmente você conhece alguém que se endividou nessa situação ou que, pelo menos, evita compras parceladas com medo deste efeito. E isso ocorre, dentre outros fatores, porque temos uma cultura imediatista e buscamos quase sempre o que queremos o mais rápido possível, independentemente de ser ou não uma boa decisão, afinal “só se vive uma vez”.
Já comentei sobre isso em outra coluna, mas no Brasil os bancos conseguem vender empréstimos mesmo com juros altos porque, em geral, o brasileiro não olha para o custo do dinheiro, mas sim se o valor da parcela “cabe no bolso”.
Portanto, como o presidente do Banco Central sugere, depois que o cidadão não consegue mais honrar os pagamentos, ele entra no crédito rotativo e, devido aos juros exorbitantes, acaba não pagando também, tornando-se inadimplente.
No entanto, o brasileiro não tem o hábito de guardar dinheiro tão arraigado como moradores de outros países do mundo. De modo que, se você limitar o parcelamento a um número de 3 ou 4 parcelas, por exemplo, grande parte das pessoas não vai guardar o dinheiro para fazer suas compras dentro desse intervalo de financiamento. A consequência disso é que o setor de varejo será o mais prejudicado, pois vai diminuir suas vendas de produtos mais caros para o consumidor.
Para adotarmos uma política de parcelamentos curtos como acontece em grande parte dos países, seria necessário, entre outras coisas, uma mudança de hábitos de longo prazo da sociedade brasileira. Mas sabemos que isso não acontecerá tão cedo.
Em segundo lugar, precisamos olhar a situação sob a ótica dos bancos. Isso ocorre porque, se o banco compensar a perda de receita aumentando as tarifas de intermediação dos lojistas, novamente quem sofrerá as consequências será o varejo. Portanto, o governo precisa estudar formas de evitar que isso aconteça.
A principal e mais óbvia maneira é propor uma solução alternativa ao limite dos juros do rotativo, para que nem o setor de varejo, nem os consumidores sejam prejudicados. E é nesse sentido que o projeto de lei ligado ao programa “Desenrola” (aquele de renegociação de dívidas) visa atuar. A ideia é que os bancos tenham um prazo para apresentarem uma solução para a redução dos juros, visando evitar que eles fiquem limitados a 100%.
Contudo, um dos argumentos que os bancos usam contra o teto dos juros do rotativo é que isso diminuiria a oferta de cartões para a população. Em outras palavras, imagine que um parente seu, que tem fama de caloteiro, te pedisse dinheiro emprestado.
Certamente, você só consideraria emprestar se houvesse juros altos o suficiente para compensar o risco, certo? O cartão de crédito é um meio de crédito fácil para o consumidor gastar quando quiser e se endividar rapidamente, representando um risco maior para os bancos.
A solução para esse problema poderia ser a portabilidade de dívidas. Ou seja, permitir que os bancos vendam as dívidas daqueles consumidores inadimplentes para outras instituições que tivessem interesse em assumir esses contratos para tentar recuperar o dinheiro por meio de renegociações e juros mais baixos.
Esta última opção tem o potencial de ser uma das soluções mais eficazes, pois, se o banco cobra juros altos por causa do risco de calote do rotativo, bastaria que ele vendesse esse direito a receber para outra empresa interessada em assumir o risco, ficando ele livre de qualquer inadimplência.
Como posso contribuir nessa discussão como cidadão?
Como expliquei anteriormente, grande parte das decisões para resolver esse problema virá das mãos dos deputados e senadores através do projeto de lei relacionado ao programa “Desenrola”. Portanto, você pode (e deve) fiscalizar o trabalho daqueles que você elegeu e cobrar que as melhores medidas sejam implementadas.
Seguimos vigilantes, aguardando os próximos passos!
*As opiniões de nossos colunistas não necessariamente refletem a opinião da Folha de Barbacena