O preço de uma palavra
Por Otávio Henrique
Essa noite tive um sonho. Acho que “sonho” é um eufemismo para não falar logo pesadelo, então vou deixar o julgamento por sua conta. Sonhei que cada pessoa nascia com um determinado número de palavras para se falar durante a vida toda! A contagem se iniciaria na primeira palavra que alguém aprende (“papai” ou “mamãe”) e terminaria na última palavra antes do suspiro final. O destino de alguém não estaria à mercê do tempo, mas sim das palavras. A expectativa de vida não era medida por anos, mas sim pela média de palavras que alguém fala durante a vida. Independente da classe social, profissão, escolaridade ou padrão estético… ninguém poderia fugir dessa ortográfica maldição.
No sonho, eu descobri que havia nascido com o estoque de 600.000 palavras. Mais de meio milhão de letras organizadas em sequência que formam sílabas – oxítonas, paroxítonas e proparóxitonas – para eu gastar livremente, como bem julgar. Porém, já havia gasto 550.000! Tendo me restado apenas 50.000 palavras. Não adiantava eu tentar burlar com palavras escritas ou até com mímica, assim que eu tentava transmitir uma mensagem e alguém a entendia… uma palavra era descontada do meu crédito. Fiquei desesperado, até quando meu olhar denunciava um “sim” ou “não”… uma palavra era descontada.
Quando me faltava pouco menos de 100, me isolei de todos. Passava horas olhando o horizonte e conferindo no extrato de minha mente, meus gastos desenfreados. Vi que havia economizado com conversas aleatórias com meus amigos; contei poucas piadas (engraçadas ou não) e falei poucas vezes “obrigado”, “eu errei”, “me perdoo”, “te perdoo”, “te amo”, “me amo”. Enquanto isso, ostentava insultos a mim e aos outros; paguei à vista ridículas explicações ao tentar me fazer de certo quando estava errado e investi extensos capitais em pessoas que não me deram uma vírgula de retorno.
Acordei assustado num pulo, olhando as silenciosas paredes e ouvindo meu vizinho discutindo com alguém. Lembrei que as palavras na vida real, não estão valendo muito. Quanta menor a mensagem na rede social, melhor. Quanto menor o áudio que você mandar, mais certeza de ouvirem. Quanto mais “good vibe” for a legenda da sua foto, mais curtida terá. Fiquei me perguntando quantas palavras eu falo por dia, por hora e por ano. Será que estou gastando com sabedoria?
Uma meta que estabeleci esse ano, é a de ser “mão-de-vaca” com minhas palavras. Vou usar com sapiência meu vocabulário e meu corpo para me comunicar. Além do mais, não sei quantas palavras me restam fora do meu sonho.